Muitos dos elementos que constituem as nossas vidas são provenientes de necessidades que o ser humano tem desde os seus primeiros passos no solo terrestre. A formação de círculos sociais, as atividades coletivas e o espírito competitivo são apenas alguns dos atributos que compartilhamos com nossos ancestrais.
Do universo das relações interpessoais, saem também alguns subprodutos interessantes. O espírito competitivo estimula a busca por vantagens nas formas mais diversas possíveis, às vezes até mesmo de maneiras consideradas escusas, por meio de esquemas de espionagem. Livros de literatura clássica, como os épicos gregos, são repletos de maquinações entre deuses, semi-deuses, heróis e meros mortais, mostrando que tais sentimentos e dilemas morais existem desde os tempos mais antigos. Isso sem mencionar a vasta literatura moderna, com diversos enredos de espiões que trabalham a serviço de grandes líderes mundiais cuja intenção é ter vantagem sobre outros líderes.
Assim, práticas como a espionagem, que antes era feita normalmente com o intuito de encontrar falhas de caráter de inimigos políticos, acaba virando um elemento-chave em confrontos não necessariamente marcados por embates físicos ou que sejam públicos e de grande dimensão.
O acesso a tais histórias no mundo real é limitado, mas graças ao universo da ficção – que adora se inspirar em elementos da realidade para construir tramas – é possível participar, como leitor ou espectador, de experiências do tipo. Essas possibilidades extrapolam as páginas e as telonas, chegando, é claro, ao mundo dos videogames, que conta com várias franquias de excelência que percorrem as tramas de superespiões agindo por conta própria, seja por interesse de outros indivíduos ou por uma causa nobre.
O mundo da espionagem em videogames
No cinema, quando se pensa em espionagem, a primeira coisa que aparece em nossas mentes é o agente 007. O espião britânico, contratado pelo Serviço Secreto de Inteligência (o MI6) do seu país de origem, percorre o mundo em seu trabalho de impedir desastres causados por supervilões motivados muitas vezes por ganância e pura maldade.
Hoje em dia, a trama de algumas histórias mais antigas de 007 podem ser vistas até como caricaturais. Mas no videogame, tanto 007 quanto suas contrapartes próprias da mídia eletrônica, têm representações muito mais fidedignas ao que é a vida de um “lobo solitário” em busca de justiça.
Os grandes exemplos disso no universo de jogos vêm do gênero de stealth – “furtividade”, em tradução para o português. Nestes jogos, o importante é ser mais inteligente do que seus inimigos, infiltrando-se em suas bases e usando das sombras para avançar e completar sua missão, seja ela qual for.
O exemplo mais clássico desse gênero vem da série de jogos Metal Gear. O primeiro jogo da série foi lançado em 1987 e serviu para o que seria mais tarde a completa popularização do stealth, em oposição aos jogos de ação e aventura que prezavam muito mais pelo combate.
As indústrias alimentam umas às outras
Na linha de Metal Gear, vários outros jogos acabaram surgindo. A célebre adaptação do filme GoldenEye, do 007, para videogame encontra lugar regularmente nas listas de melhores jogos de Nintendo 64 – incluindo a nossa – e carrega elementos de stealth apresentados em Metal Gear. Logo após, vieram Deus Ex e Hitman, que davam liberdade para o jogador atingir objetivos dentro de uma missão da maneira como ele quisesse e o premiavam caso não fosse descoberto no processo.
É interessante perceber também como o gênero de stealth nos videogames acabou entrando em um processo que a indústria cultural já observa há décadas, no qual livros são adaptados para outras mídias, que, por sua vez, também servem como material de reprodução em suas contrapartes. Foi o que aconteceu com Hitman, que ganhou as telas de cinema com um filme homônimo, além de um jogo na plataforma de caça-níqueis online da Betway Cassino. A série Metal Gear tem livros que contam as histórias (bem complexas) dos videogames, enquanto livros do autor Tom Clancy servem até hoje para a criação de games como Rainbow Six, conforme mostra o portal da Ubisoft, e Splinter Cell.
Em alguns raros casos, a obra adaptada consegue superar até mesmo o sucesso do seu roteiro original. Foi o que aconteceu com a trilogia dos filmes da série O Senhor dos Anéis, cuja inspiração vem dos livros escritos por J.R.R. Tolkien, lançados na década de 1950. Já no grau estritamente comercial, vê-se o mesmo com a série de filmes da Marvel, que têm origem, em grande parte, nos quadrinhos lançados pela editora.
O que o futuro reserva?
Muitos gêneros de mídia acabam passando por ondas de relevância e irrelevância ao longo do tempo. E no caso dos jogos de stealth, a impressão é de que estamos num momento transitório entre queda e ascensão.
Um dos maiores fatores para a queda do gênero foi a saída de Hideo Kojima da sua antiga empresa, a Konami. Sem o desenvolvedor e diretor da série Metal Gear dentro da companhia, as chances de termos um novo jogo que faça jus à qualidade dos jogos da franquia são baixas, como mostrou Metal Gear Survival no ano retrasado.
Por outro lado, Hitman 2 foi um verdadeiro “hit” com suas missões amplas e soluções criativas, tendo ainda uma porção de conteúdos extras, que colocavam o Agente 47 em situações cada vez mais inusitadas para eliminar seus alvos, sido lançados em forma de DLC. Enquanto isso, Assassin’s Creed parece estar recuperando a qualidade de outrora, uma vez que o último jogo da série – Assassin’s Creed: Odyssey, passado na Grécia Antiga – foi bastante elogiado pela crítica especializada e pelo público.
A questão para jogos de stealth, como é o caso de tantos outros jogos, é a sua capacidade de integrar novos elementos tecnológicos à sua já excelente jogabilidade. Usar dos avanços de inteligência artificial para criar inimigos mais difíceis e fazer jogos para realidade virtual que realcem o fator de tensão geralmente envolvido nesses jogos são duas maneiras claras de alcançar tal feito.
Para além disso, há ainda a possibilidade de os jogos de stealth continuarem influenciando outras mídias. Mesmo que os filmes de Hitman e Assassin’s Creed não tenham sido um grande sucesso, fica bem claro para quem jogou Death Stranding, o último jogo de Hideo Kojima, que o lendário desenvolvedor quer ser um diretor de cinema. Sendo assim, por que não atender aos seus desejos?